quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Crônica de Infância: da superação de um grande trauma

Aos 5 anos de idade, ela acordava cedo todos os dias para assistir ao Show da Xuxa. Usava roupa da Xuxa, tênis e sandálias da Xuxa, acessórios da Xuxa, cosméticos da Xuxa. Atormentava a vida dos pais cada vez que a Xuxa lançava um novo LP. Sonhava em passear na nave da Xuxa e tomar café da manhã com a Xuxa. Sonhava também em ser Paquita e sabia todas as músicas e coreografias de cor. 

Um dia, ao chegar da escola, sai em busca da sua fita cassete das Paquitas para praticar um pouco antes de fazer as tarefas de casa e encontra, colado na fita, um adesivo escrito Chico Buarque, com a letra do pai. Ingenuamente, arranca fora o adesivo de uma só força. "Chico Buarque? Quem é esse? Essa é minha fita das Paquitas!" Coloca a fita para tocar e leva o primeiro grande susto de sua vida: o som quem vem dela não se parece em nada com o "Quem quer pão, pão, pão, pão? Bom estar contigo na televisão...". No lugar da alegre melodia das garotas, saía uma música velha, chata, parada, na voz de um homem claramente velho, chato e parado, esperando uma tal de banda velha, chata e parada passar. Banda? Que história é essa de banda, meu Deus? 

Ela chora. Ela se desespera. Ela quer acordar desse pesadelo. Se naquele tempo os telefones celulares existissem e fossem objetos tão corriqueiros como são hoje, ela teria ligado imediatamente para o pai, a cobrar, sem dó nem piedade, para perguntar que droga de Chico Buarque era aquele gravado na sua fita das Paquitas. Tudo o que podia fazer, no entanto, era chorar. Chorar e  procurar um LP da Xuxa para ouvir enquanto se lamentava. Vida injusta!

O tempo passou, e o trauma foi superado sem maiores dificuldades. Na adolescência, ela descobriu  Legião Urbana, Paralamas, Barão Vermelho, Titãs. Contraditoriamente, como qualquer adolescente daquele tempo, descobriu que a melhor banda do mundo era na verdade Backstreet Boys, que o melhor canal de televisão do mundo era a MTV e que a melhor maneira de utilizar o dinheiro que ganhava do pai toda semana era no shopping, no McDonald's e em revistas e pôsteres dos artistas que tanto admirava. Enquanto isso, seus pais continuavam ouvindo as músicas daquele velho que arruinara com seu sonho de infância.

Lá pelos 16 anos, já se achando muito adulta, naturalmente, ela resolveu dar uma conferida nos discos do Chico Buarque que havia em sua casa. Escondido, é claro. Ouviu uma vez. Ouviu outra vez. E de novo. E de novo. Achou que seria legal ter as letras, para poder cantar junto. Leu uma por uma. Cantou uma por uma. E fez isso vários dias seguidos. 

Deu o braço a torcer. Não que o velhinho é bom? Depois disso, descobriu Tom Jobim, Toquinho, Vinícius, Caetano, Gil, Djavan e por aí vai. Sem se dar conta, se tornou fã, amante e defensora da música popular brasileira. 

Aos 17, entrou na faculdade de Letras. Mergulhou na literatura brasileira. Descobriu sua mais nova paixão. Descobriu também que aquele mesmo Chico Buarque das músicas escrevia livros. Escreveu um trabalho de conclusão de curso e uma dissertação de mestrado sobre os romances dele. Comprou todos os discos, dvds e livros sobre o assunto que encontrou pela frente. Abarrotou as prateleiras de casa com uma biblioteca de primeira qualidade.

Hoje, aos 30, ela se recorda com nostalgia e nenhuma vergonha das tardes que passava dançando ao som da rainha dos baixinhos e suas garotas. Ela se diverte ao lembrar-se do seu primeiro grande trauma. Ela chora de saudade do pai, que agora mora longe. Ela agradece à mãe, por ter lhe influenciado tanto no seu gosto pela arte e pela cultura. Ela se emociona ao ouvir certas canções do Chico Buarque que lhe tocam o fundo da alma. Ela lê e se dedica com afinco à difícil tarefa de formar novos leitores e novos admiradores de todas as formas de arte.

Ela entende que o amadurecimento é um processo longo e cheio de etapas - todas elas inesquecíveis e indispensáveis. Agora ela só deseja continuar aprendendo e crescendo, com o pai, com a mãe, com os amigos, com os alunos, com os livros... pois tem a certeza de que se chegar o dia em que acreditará saber tudo sobre todas as coisas, sua vida terá chegado ao fim.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Mais um ano, menos um ano...

O último post tem mais de um ano. Falava sobre os meus recém completos 29 anos. Pois bem. Agora já completei 30. Entrei em crise vários meses antes do meu aniversário. Senti a velhice em cada molécula do meu corpo, pelo simples fato de estar completando três décadas de vida. Quanta bobagem...

Na virada dos 29 para os 30, muitas mudanças ocorreram. E muitas outras coisas continuam exatamente iguais. As mudanças não tem nada a ver com a quantidade de anos que tenho acumulados. Tem a ver com minha experiência, com meu trabalho, com minha evolução pessoal. O que não mudou, continua igual simplesmente porque eu não quero que seja diferente.

2013, que ainda não acabou, mas já está mais para lá do que para cá, foi um ano corrido como todos os outros. Cheio de atividades, cheio de planos, cheio de problemas e cheio de alegrias, como acredito que serão todos os próximos. 2013 me trouxe muito crescimento pessoal e profissional. Tomei decisões, coloquei-as em prática e enxerguei resultados. E com muita ansiedade espero por mais resultados nesse restinho de ano. 

O tempo parece cada vez mais acelerado. Chegamos a mais um final ano e ainda me pergunto: tão rápido? Como? Por quê? Por que é que na infância o Natal demora tanto a chegar? Provavelmente porque esperamos por ele com tanta ansiedade e não temos muito com o que ocupar a cabeça ao longo dos dias. Hoje, o final de ano significa correria, trabalho em excesso, prazos, fechamentos. Ninguém morre de vontade disso. Queremos férias, verão, praia. Claro que sim. E é essa contradição que gera o misto de angústia e euforia que me toma nessa época. 

Gostaria de ter mais tempo. Gostaria que o dia tivesse mais horas. Aí penso que se eu tivesse mais tempo e o dia tivesse mais horas, provavelmente seriam preenchidos com mais trabalho. Pensando bem, está bom assim. Com toda a loucura, com toda a falta de tempo que todos adoramos gritar aos sete ventos, consegui manter o meu trabalho em dia; consegui iniciar uma nova etapa na minha vida profissional - o ensino superior; consegui retomar minha vida acadêmica, que estava estagnada havia 4 anos; consegui cuidar da minha saúde; celebrei meus 30 anos ao lado de familiares e amigos realmente importantes para mim - gente que está na minha vida há mais de uma década e também os que entraram nela há menos tempo. Enfim, acho que termino o ano de 2013 com saldo positivo. E o melhor de tudo, cheia de expectativas.

Só desejo que os últimos dias deste ano reservem mais alegrias - para mim e para as pessoas com quem me importo. Desejo que as lágrimas de angústia sejam logo substituídas pelo suspiro de alívio e tranquilidade e pela sensação de dever cumprido. Desejo que a vida continue sendo generosa comigo e que meus momentos de estresse elevado à milésima potência não me transformem numa pessoa amarga - que façam de mim apenas uma pessoa normal, que tem altos e baixos como qualquer outra. Desejo continuar podendo compartilhar minhas tristezas e meus sucessos com as pessoas que contribuem para que eu me considere, de fato, uma pessoa abençoada. Desejo que essas mesmas pessoas nunca deixem de enxergar em mim uma fonte de apoio, carinho e atenção. Desejo, desejo, desejo... Desejo uma infinidade de coisas. E sei que obtê-las depende, acima de tudo, de mim mesma. 

"Por seres tão inventivo

E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo..."

Caetano Veloso