Nada melhor para aliviar a melancolia de um fim de tarde de domingo do que um belo concerto musical. A arte nos tira da realidade dura e embala a alma num ritmo alentador. A apresentação de Vitor Ramil e a Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro me proporcionou prazer - o prazer estético que só a arte de verdade nos dá, e o prazer de estar, em boa companhia, vivendo um pouco de cultura e lazer em meio à rotina desenfreada de trabalho - e me fez refletir brevemente sobre coisas da vida.
Incrível como algo tão regional, tão estritamente ligado a um espaço geográfico que não faz parte da minha experiência de vida pode sair do plano particular e invadir o universal, tocando qualquer coração, de qualquer parte do planeta. Um poema de João da Cunha Vargas, lindamente musicado e interpretado por Ramil, me chama atenção por um fragmento que se destaca entre as referências ao mundo dos pampas, com seus bolichos, cavalos e chinas. Com a Orquestra em silêncio ao seu redor, apenas o violão suave e a voz precisa entoam:
"... e ver que o mundo é pequeno, e que a vida não vale nada..."
Nesse momento, pensei: que lindo isso! E fiquei com a frase na cabeça.
Voltei para casa com tudo pronto para retornar à loucura dos dias normais. E, assim, veio a segunda-feira. Aula de literatura no colégio, dia de falar sobre poesia. Ou melhor, dia de ler poesia. Simplesmente isso, sem maiores pretensões.
Já que a ideia é fazer com que os alunos gostem, nada mais digno do que mostrar a eles o meu favorito... ah, o Pessoa. Este me faz pensar e repensar a vida a cada nova leitura. Hoje, as palavras dele se combinaram com a canção de Ramil e me inquietaram a ponto de me fazer voltar a escrever no blog, depois de tanto tempo afastada. O mestre Caeiro diz:
"Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo."
De repente, me peguei com a voz de Ramil e a de Caeiro ecoando em meus pensamentos. Pensei sobre minha vida, sobre a minha correria diária, as minhas buscas, os meus planos; pensei na minha mãe, no meu pai, nos meus irmãos; pensei nos meus avós, que já se foram todos; pensei nas perdas e também nos ganhos que a vida proporciona todos os dias; pensei nos encontros e nos desencontros; aproximações e afastamentos, inevitáveis ou não. E como esse mundo é mesmo pequeno, não? Como a vida da gente realmente não vale nada se não soubermos fazê-la valer a pena.
Cabe a cada um de nós fazer com que a própria existência não seja em vão. Porque o tempo passa e as coisas acontecem independentemente da nossa vontade. A roda viva não para. Toda vez que leio o poema de Alberto Caeiro, sinto um misto de alívio e angústia. Angústia porque me faz refletir e ver que a minha vida não está totalmente sob o meu controle; alívio ao pensar que posso e devo dar o melhor de mim em tudo que faço, acreditando em mim mesma e na minha função neste mundo, pois tudo é real e tudo está certo. E assim seria, mesmo que eu não gostasse.
E tem gente que ainda me pergunta para quê servem a literatura e a arte...
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