segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Da perfeição


Combinação exata de duas partes. Simetria total. Encaixe absoluto.
Fisicamente falando, isso é o amor.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Sarau do Pecado - Seminário dos Ratos


As formigas 
Quando minha prima e eu descemos do táxi já era quase noite. Ficamos imóveis diante do velho sobrado de janelas ovaladas, iguais a dois olhos tristes, um deles vazado por uma pedrada. Descansei a mala no chão e apertei o braço da prima. 
- É sinistro. 
Ela me impeliu na direção da porta. Tínhamos outra escolha? Nenhuma pensão nas redondezas oferecia um preço melhor a duas pobres estudantes, com liberdade de usar o fogareiro no quarto, a dona nos avisara por telefone que podíamos fazer refeições ligeiras com a condição de não provocar incêndio. Subimos a escada velhíssima, cheirando a creolina. 
- Pelo menos não vi sinal de barata - disse minha prima. 
A dona era uma velha balofa, de peruca mais negra do que a asa da graúna. Vestia um desbotado pijama de seda japonesa e tinha as unhas aduncas recobertas por uma crosta de esmalte vermelho-escuro descascado nas pontas encardidas. Acendeu um charutinho. 
- É você que estuda medicina? - perguntou soprando a fumaça na minha direção. 
- Estudo direito. Medicina é ela. 
A mulher nos examinou com indiferença. Devia estar pensando em outra coisa quando soltou uma baforada tão densa que precisei desviar a cara. A saleta era escura, atulhada de móveis velhos, desparelhados. No sofá de palhinha furada no assento, duas almofadas que pareciam ter sido feitas com os restos de um antigo vestido, os bordados salpicados de vidrilho. 
- Vou mostrar o quarto, fica no sótão - disse ela em meio a um acesso de tosse. Fez um sinal para que a seguíssemos. - O inquilino antes de vocês também estudava medicina, tinha um caixotinho de ossos que esqueceu aqui, estava sempre mexendo neles. 
Minha prima voltou-se: 
- Um caixote de ossos? 
A mulher não respondeu, concentrada no esforço de subir a estreita escada de caracol que ia dar no quarto. Acendeu a luz. O quarto não podia ser menor, com o teto em declive tão acentuado que nesse trecho teríamos que entrar de gatinhas. Duas camas, dois armários e uma cadeira de palhinha pintada de dourado. No ângulo onde o teto quase se encontrava com o assoalho, estava um caixotinho coberto com um pedaço de plástico. Minha prima largou a mala e pondo-se de joelhos puxou o caixotinho pela alça de corda. Levantou o plástico. Parecia fascinada. 
- Mas que ossos tão miudinhos! São de criança? 
- Ele disse que eram de adulto. De um anão. 
- De um anão? É mesmo, a gente vê que já estão formados... Mas que maravilha, é raro à beça esqueleto de anão. E tão limpo, olha aí admirou-se ela. Trouxe na ponta dos dedos um pequeno crânio de uma brancura de cal.- Tão perfeito, todos os dentinhos! 
- Eu ia jogar tudo no lixo, mas se você se interessa pode ficar com ele. O banheiro é aqui ao lado, só vocês é que vão usar, tenho o meu lá embaixo. Banho quente, extra. Telefone, também. Café das sete às nove, deixo a mesa posta na cozinha com a garrafa térmica, fechem bem a garrafa - recomendou coçando a cabeça. A peruca se deslocou ligeiramente. Soltou uma baforada final: - Não deixem a porta aberta senão meu gato foge. 
Ficamos nos olhando e rindo enquanto ouvíamos o barulho dos seus chinelos de salto na escada. E a tosse encatarrada. Esvaziei a mala, dependurei a blusa amarrotada num cabide que enfiei num vão da veneziana. prendi na parede, com durex, uma gravura de Grassmann e sentei meu urso de pelúcia em cima do travesseiro. Fiquei vendo minha prima subir na cadeira, desatarraxar a lâmpada fraquíssima que pendia de um fio solitário no meio do teto e no lugar atarraxar uma lâmpada de duzentas velas que tirou da sacola. O quarto ficou mais alegre. Em compensação, agora a gente podia ver que a roupa de cama não era tão alva assim, alva era a pequena tíbia que ela tirou de dentro do caixotinho. Examinou-a. Tirou uma vértebra e olhou pelo buraco tão reduzido como o aro de um anel. Guardou-as com a delicadeza com que se amontoam ovos numa caixa. 
- Um anão. Raríssimo, entende? E acho que não falta nenhum ossinho, vou trazer as ligaduras, quero ver se no fim da semana começo a montar ele. 
Abrimos uma lata de sardinha que comemos com pão, minha prima tinha sempre alguma lata escondida, costumava estudar até a madrugada e depois fazia sua ceia. Quando acabou o pão, abriu um pacote de bolacha Maria. 
- De onde vem esse cheiro? - perguntei farejando. Fui até o caixotinho, voltei, cheirei o assoalho. - Você não está sentindo um cheiro meio ardido? 
- É de bolor. A casa inteira cheira assim - ela disse. E puxou o caixotinho para debaixo da cama. 
No sonho, um anão louro de colete xadrez e cabelo repartido no meio entrou no quarto fumando charuto. Sentou-se na cama da minha prima, cruzou as perninhas e ali ficou muito sério, vendo-a dormir. Eu quis gritar, tem um anão no quarto!, mas acordei antes. A luz estava acesa. Ajoelhada no chão, ainda vestida, minha prima olhava fixamente algum ponto do assoalho. 
- Que é que você está fazendo aí? - perguntei. 
- Essas formigas. Apareceram de repente, já enturmadas. Tão decididas, está vendo? 
Levantei e dei com as formigas pequenas e ruivas que entravam em trilha espessa pela fresta debaixo da porta, atravessavam o quarto, subiam pela parede do caixotinho de ossos e desembocavam lá dentro, disciplinadas como um exército em marcha exemplar. 
- São milhares, nunca vi tanta formiga assim. E não tem trilha de volta, só de ida - estranhei.
- Só de ida.
Contei-lhe meu pesadelo com o anão sentado em sua cama.
- Está debaixo dela - disse minha prima e puxou para fora o caixotinho. Levantou o plástico. - Preto de formiga! Me dá o vidro de álcool. 
- Deve ter sobrado alguma coisa aí nesses ossos e elas descobriram, formiga descobre tudo. Se eu fosse você, levava isso lá pra fora. 
- Mas os ossos estão completamente limpos, eu já disse. Não ficou nem um fiapo de cartilagem, limpíssimos. Queria saber o que essas bandidas vêm fuçar aqui. 
Respingou fartamente o álcool em todo o caixote. Em seguida, calçou os sapatos e, como uma equilibrista andando no fio de arame, foi pisando firme, um pé diante do outro na trilha de formigas. Foi e voltou duas vezes. Apagou o cigarro. Puxou a cadeira. E ficou olhando dentro do caixotinho. 
- Esquisito. Muito esquisito. 
- O quê? 
- Me lembro que botei o crânio em cima da pilha, me lembro que até calcei ele com as omoplatas para não rolar. E agora ele está aí no chão do caixote, com uma omoplata de cada lado. Por acaso você mexeu aqui? 
- Deus me livre, tenho nojo de osso! Ainda mais de anão. Ela cobriu o caixotinho com o plástico, empurrou-o com o pé e levou o fogareiro para a mesa, era a hora do seu chá. No chão, a trilha de formigas mortas era agora uma fita escura que encolheu. Uma formiguinha que escapou da matança passou perto do meu pé, já ia esmagá-la quando vi que levava as mãos à cabeça, como uma pessoa desesperada. Deixei-a sumir numa fresta do assoalho.
Voltei a sonhar aflitivamente, mas dessa vez foi o antigo pesadelo com os exames, o professor fazendo uma pergunta atrás da outra e eu muda diante do único ponto que não tinha, estudado. As seis horas o despertador disparou veementemente. Travei a campanhia. Minha prima dormia com a cabeça coberta. No banheiro, olhei com atenção para as paredes, para o chão de cimento, à procura delas. Não vi nenhuma. Voltei pisando na ponta dos pés e então entreabri as folhas da veneziana. O cheiro suspeito da noite tinha desaparecido. Olhei para o chão: desaparecera também a trilha do exército massacrado. Espiei debaixo da cama e não vi o menor movimento de formigas no caixotinho coberto. 
Quando cheguei por volta das sete da noite, minha prima já estava no quarto. Achei-a tão abatida que carreguei no sal da omelete, tinha a pressão baixa. Comemos num silêncio voraz. Então me lembrei.
- E as formigas?
- Até agora, nenhuma.
- Você varreu as mortas? Ela ficou me olhando.
- Não varri nada, estava exausta. Não foi você que varreu? - Eu?! Quando acordei, não tinha nem sinal de formiga nesse chão, estava certa que antes de deitar você juntou tudo... Mas, então, quem?! 
Ela apertou os olhos estrábicos, ficava estrábica quando se preocupava. 
- Muito esquisito mesmo. Esquisitíssimo. 
Fui buscar o tablete de chocolate e perto da porta senti de novo o cheiro, mas seria bolor? Não me parecia um cheiro assim inocente, quis chamar a atenção da minha prima para esse aspecto, mas ela estava tão deprimida que achei melhor ficar quieta. Espargi água-de-colônia Flor de Maçã por todo o quarto (e se ele cheirasse como um pomar?) e fui deitar cedo. Tive o segundo tipo de sonho, que competia nas repetições com o tal sonho da prova oral, nele eu marcava encontro com dois namora dos ao mesmo tempo. E no mesmo lugar. Chegava o primeiro e minha aflição era levá-lo embora dali antes que chegasse o segundo. O segundo, desta vez, era o anão. Quando só restou o oco de silêncio e sombra, a voz da minha prima me fisgou e me trouxe para a superfície. Abri os olhos com esforço. Ela estava sentada na beira da minha cama, de pijama e completamente estrábica. 
- Elas voltaram. 
- Quem? 
- As formigas. Só atacam de noite, antes da madrugada. Estão todas aí de novo. A trilha da véspera, intensa, fechada, seguia o antigo percurso da porta até o caixotinho de ossos por onde subia na mesma formação até desformigar lá dentro. Sem caminho de volta.
- E os ossos?
Ela se enrolou no cobertor, estava tremendo.
- Aí é que está o mistério. Aconteceu uma coisa, não entendo mais nada! Acordei pra fazer pipi, devia ser umas três horas. Na volta, senti que no quarto tinha algo mais, está me entendendo? Olhei pro chão e vi a fila dura de formigas, você se lembra? Não tinha nenhuma quando chegamos. Fui ver o caixotinho, todas se trançando lá dentro, lógico, mas não foi isso o que quase me fez cair pra trás, tem uma coisa mais grave: é que os ossos estão mesmo mudando de posição, eu já desconfiava mas agora estou certa, pouco a pouco eles estão... Estão se organizando. 
- Como, se organizando? 
Ela ficou pensativa. Comecei a tremer de frio, peguei uma ponta do seu cobertor. Cobri meu urso com o lençol. 
- Você lembra, o crânio entre as omoplatas, não deixei ele assim. Agora é a coluna vertebral quejá está quase formada, uma vértebra atrás da outra, cada ossinho tomando o seu lugar, alguém do ramo está montando o esqueleto, mais um pouco e... Venha ver! 
- Credo, não quero ver nada. Estão colando o anão, é isso? 
Ficamos olhando a trilha rapidíssima, tão apertada que nela não caberia sequer um grão de poeira. Pulei-a com o maior cuidado quando fui esquentar o chá. Uma formiguinha desgarrada (a mesma daquela noite?) sacudia a cabeça entre as mãos. Comecei a rir e tanto que se o chão não estivesse ocupado, rolaria por ali de tanto rir. Dormimos juntas na minha cama. Ela dormia ainda quando saí para a primeira aula. No chão, nem sombra de formiga, mortas e vivas desapareciam com a luz do dia. 
Voltei tarde essa noite, um colega tinha se casado e teve festa. Vim animada, com vontade de cantar, passei da conta. Só na escada é que me lembrei: o anão. Minha prima arrastara a mesa para a porta e estudava com o bule fumegando no fogareiro. 
- Hoje não vou dormir, quero ficar de vigia - ela avisou. 
O assoalho ainda estava limpo. Me abracei ao urso. 
- Estou com medo. 
Ela foi buscar uma pílula para atenuar minha ressaca, me fez engolir a pílula com um gole de chá e ajudou a me despir. 
- Fico vigiando, pode dormir sossegada. Por enquanto não apareceu nenhuma, não está na hora delas, é daqui a pouco que começa. Examinei com a lupa debaixo da porta, sabe que não consigo descobrir de onde brotam? 
Tombei na cama, acho que nem respondi. No topo da escada o anão me agarrou pelos pulsos e rodopiou comigo até o quarto, Acorda, acorda! Demorei para reconhecer minha prima que me segurava pelos cotovelos. Estava lívida. E vesga. 
- Voltaram - ela disse. 
Apertei entre as mãos a cabeça dolorida. - Estão aí?
Ela falava num tom miúdo, como se uma formiguinha falasse com sua voz. 
- Acabei dormindo em cima da mesa, estava exausta. Quando acordei, a trilha já estava em plena movimentação. Então fui ver o caixotinho, aconteceu o que eu esperava... 
- O que foi? Fala depressa, o que foi? 
Ela firmou o olhar oblíquo no caixotinho debaixo da cama. 
- Estão mesmo montando ele. E rapidamente, entende? O esqueleto já está inteiro, só falta o fêmur. E os ossinhos da mão esquerda, fazem isso num instante. Vamos embora daqui.
- Você está falando sério?
- Vamos embora, já arrumei as malas.
A mesa estava limpa e vazios os armários escancarados.
- Mas sair assim, de madrugada? Podemos sair assim?
- Imediatamente, melhor não esperar que a bruxa acorde. Vamos, levanta!
- E para onde a gente vai?
- Não interessa, depois a gente vê. Vamos, vista isto, temos que sair antes que o anão fique pronto. Olhei de longe a trilha: nunca elas me pareceram tão rápidas. Calcei os sapatos, descolei a gravura da parede, enfiei o urso no bolso da japona e fomos arrastando as malas pelas escadas, mais intenso o cheiro que vinha do quarto, deixamos a porta aberta. Foi o gato que miou comprido ou foi um grito? 
No céu, as últimas estrelas já empalideciam. Quando encarei a casa, só a janela vazada nos via, o outro olho era penumbra. 
Lygia Fagundes Telles, em Seminário dos Ratos (contos, 1977)

Sarau do Pecado - Breakfast at Tiffany's

Cena final de Bonequinha de Luxo no romance de Truman Capote (1958) e no clássico filme de Blake Edwards, estrelando Audrey Hepburn (1961).  O cinema se apropriando da literatura e modificando-a, em busca do happy ending.


"Holly saiu do carro, levando o gato. Enquanto o embalava, coçou a cabeça e perguntou: 'Que tal? É o lugar certo para um sujeito durão como você. Latas de lixo. Ratos de sobra. Bandos de colegas para andar por aí. Então suma', ela disse e o largou. Como ele não se mexesse, e, em vez disso, erguesse a cara de bandido, questionando-a com os olhos amarelados de pirata, ela bateu o pé: 'Vá embora, já disse!'. Ele veio se esfregar na perna dela. 'Fora daqui!', ela gritou e pulou para dentro do carro, batendo a porta. 'Vá', ordenou ao motorista, 'vá, vá!'
Eu estava pasmo. 'Mas você não presta mesmo, não presta mesmo!'
Percorremos um quarteirão antes que ela dissesse alguma coisa. 'Já lhe contei. Nós nos encontramos um dia, na beira do rio: é só. Independentes, os dois. Ninguém fez promessa nenhuma. Nós nunca...', ela começou a dizer, mas a voz sumiu, e um tique e uma palidez involuntária tomaram seu rosto. O carro parara num cruzamento. Então ela abriu a porta, correu pela rua, e corri atrás dela.
Mas o gato já não estava na esquina em que fora deixado. Não havia nada, ninguém na rua, exceto um bêbado urinando e duas freiras negras tocando um rebanho de crianças que cantavam candidamente. Outras crianças emergiram das portas, e as mulheres se inclinaram nas janelas para ver Holly correndo pelo quarteirão, de um lado para o outro, entoando: 'Gato, gato, cadê você? Gato, gato!'. Persistiu até que um garoto de pele esburacada veio até ela, trazendo um gato velho pendurado pela nuca: 'Dona, quer um gatinho lindo? É só um dólar.'
A limusine nos seguira. Holly deixou que eu a conduzisse de volta. Junto à porta, hesitou; olhou para o que estava atrás de mim, para trás do garoto que ainda oferecia o gato ('Meio dólar. Vinte e cinco centavos, que tal? Vinte e cinco não é nada.'), e estremeceu; precisou segurar meu braço para continuar em pé. 'Ah, meu Deus! Nós éramos um do outro. Ele era meu.'
Então fiz uma promessa, disse que voltaria e encontraria o gato: 'Vou cuidar dele também. Prometo."
Ela sorriu, formou uma pontinha de sorriso sem alegria. 'E de mim?', ela sussurrou e estremeceu de novo. 'Estou com muito medo, rapaz. Isso mesmo, finalmente. Porque isso poderia continuar para sempre. Não saber o que é seu até a hora em que você joga fora. A coisa ficar preta não é nada. A gorda não é nada. Mas e isso agora? Estou com a boca seca; se fosse questão de vida ou morte, não conseguiria nem cuspir', entrou no carro e se afundou no banco. 'Desculpe, motorista. Vamos embora.'"
Truman Capote, em Bonequinha de Luxo (Ed. Cia. das Letras, 2005, p.93-94)


quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Sarau do Pecado - Um General na Biblioteca


"A Ovelha Negra"
Havia um país onde todos eram ladrões.
À noite, cada habitante saía, com a gazua e a lanterna, e ia arrombar a casa de um vizinho. Voltava de madrugada, carregado, e encontrava a casa arrombada.
E assim todos viviam em paz e sem prejuízo, pois um roubava o outro, e este, um terceiro, e assim por diante, até que se chegava ao último, que roubava o primeiro. O comércio naquele país só era praticado como trapaça, tanto por quem vendia como por quem comprava. O governo era uma associação de delinquentes vivendo à custa dos súditos, e os súditos por sua vez só se preocupavam em fraudar o governo. Assim, a vida prosseguia sem tropeços, e não havia ricos nem pobres.
Ora, não se sabe como, ocorre que no país apareceu um homem honesto. À noite, em vez de sair com o saco e a lanterna, ficava em casa fumando e lendo romances. 
Vinham os ladrões, viam a luz acesa e não subiam.
Essa situação durou algum tempo: depois foi preciso fazê-lo compreender que, se quisesse viver sem fazer nada, não era essa uma boa razão para não deixar os outros fazerem. Cada noite que ele passava em casa era uma família que não comia no dia seguinte.
Diante desses argumentos, o homem honesto não tinha o que objetar. Também começou a sair de noite para voltar de madrugada, mas não ia roubar. Era honesto, não havia nada a fazer. Andava até a ponte e ficava vendo a água passar embaixo. Voltava para casa, e a encontrava roubada.
Em menos de uma semana, o homem honesto ficou sem um tostão, sem o que comer, com a casa vazia. Mas até aí tudo bem, porque era culpa sua; o problema era que seu comportamento criava uma grande confusão. Ele deixava que lhe roubassem tudo e, ao mesmo tempo, não roubava ninguém; assim, sempre havia alguém que, voltando para casa de madrugada, achava sua casa intacta: a casa que o homem honesto deveria ter roubado. O fato é que, pouco depois, os que não eram roubados acabaram ficando mais ricos que os outros e passaram a não querer mais roubar. E, além disso, os que vinham para roubar a casa do homem honesto sempre a encontravam vazia; assim, iam ficando mais pobres.
Enquanto isso, os que tinham se tornado ricos pegaram o costume, eles também, de ir de noite até a ponte, para ver a água que passava embaixo. Isso aumentou a confusão, pois muitos outros ficaram ricos e muitos outros ficaram pobres.
Ora, os ricos perceberam que, indo de noite até a ponte, mais tarde ficariam pobres. E pensaram: "Paguemos aos pobres para irem roubar para nós". Fizeram-se contratos, estabeleceram-se os salários, as percentagens: naturalmente, continuavam a ser ladrões e procuravam enganar-se uns aos outros. Mas, como acontece, os ricos tornavam-se cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
Havia ricos tão ricos que não precisavam mais roubar e que mandavam roubar para continuarem a ser ricos. Mas, se paravam de roubar, ficavam pobres, porque os pobres os roubavam. Então, pagaram aos mais pobres dos pobres para defenderem as suas coisas contra os outros pobres, e assim instituíram a polícia e construíram as prisões.
Dessa forma, já poucos anos depois do episódio do homem honesto, não se falava mais de roubar ou de ser roubado, mas só de ricos ou de pobres; e, no entanto, todos continuavam a ser pobres.
Honesto só tinha havido aquele sujeito, e morrera logo, de fome.


Italo Calvino, em Um General na Biblioteca. (ed. Cia. das Letras, 2001, p.31-32)

Sarau do Pecado - O que se diz e o que se entende


"Fantasmas"
No tempo da babá Pedrina, havia tantos fantasmas que até as crianças, mesmo sem os verem, sabiam como eram e por onde andavam. Andavam pelos porões, pelos corredores, pelos sótãos, atravessavam certos quintais, paravam pelas encruzilhadas. Havia fantasmas de escravos e de seus antigos donos em tal abundância que se faziam mais dignos de louvores os velhos abolicionistas: que enorme quantidade de fantasmas produzira a escravidão!
Mas, terminado o cativeiro, não terminaram os fantasmas - talvez menos sofredores, menos desesperados, menos vingativos, agora; monarquistas, republicanos, conselheiros, oradores misturados a toda casta de ofícios e de todos os níveis sociais. Há quem negue os fantasmas: mas entre a negação e a inexistência de coisas, fenômenos ou fatos há uma distância considerável. E talvez o número dos que negam seja inferior ao dos que os afirmam.
Outro dia, li nos jornais que uns fantasmas, em São Paulo, mudavam de lugar os objetos de uma casa, traziam a cafeteira do fogão para a mesa, espalhavam os mantimentos na despensa, enfim, desarrumavam quanto encontravam e parece que tudo isso foi testemunhado por jornalistas, que costumam ser espíritos fortes, de tanto lidarem com os mais estranhos acontecimentos, todos os dias.
Este meu bairro das Laranjeiras parece ter sido outrora muito povoado de fantasmas, especialmente a Ladeira do Ascurra, segundo nos informa o caro Vieira Fazenda, que tanto se interessou por esta nossa querida cidade.
Há pouco tempo, soube que os sentinelas do Monumento aos Pracinhas, em lugar tão moderno e arejado, tinham ouvido vozes estranhas, em redor de si: mas procurou-se explicar que seria o vento batendo ali, e tudo foi vento e nada mais, como no poema de Edgar Poe.
Na Inglaterra, os fantasmas não causam tanta estranheza: creio que existem por toda parte, e são extremamente intelectualizados. Não existe um que escreve peças teatrais, e se acha tão identificado com a senhora que o recebe que esta, com exemplar comportamento, se separou de seu marido por se sentir mais casada com seu fantasma?
Não há, na Inglaterra, casas onde se pode ouvir boa música, sem haver dentro delas instrumento de espécie alguma? Dizem-me que os fantasmas ingleses até deixam fotografar!
Não falo dessas coisas por brincadeira: ao contrário, elas me inspiram curiosidade e respeito. Se nós não sabemos nem o que se passa em nossa própria casa, do outro lado de qualquer parede, como podemos saber o que se passa nos misteriosos lugares onde os fantasmas vivem? A nossa 'vã filosofia', como disse Shakespeare, não alcança muitas coisas deste mundo. E o mundo dos fantasmas é mais além. Os homens habituaram-se a falar de tudo superficialmente; e o torvelinho da vida de hoje quase não permite a ninguém deter-se para pensar. E adquirimos o hábito de sorrir com frivolidade para o que desconhecemos.
No entanto, as velhas Escrituras estão cheias de exemplos que nos deixam perplexos. A tecnologia descartou a contemplação, a intuição, o desejo sério de penetrar os profundos mistérios do mundo e da vida. O supérfluo tornou-se tão imprescindível que se perdeu de vista o verdadeiramente essencial.

Cecília Meireles, em O que se diz e o que se entende, crônicas. (Ed. Nova Fronteira, 1980, p. 44-45).

Sarau do Pecado - Correio Feminino

Clarice em versão gohst writer, dando dicas de sobrevivência para mulheres da segunda metade do século XX.
Curioso, no mínimo, para quem conhece um pouco da sua introspecção. Interessante como documento de época.

"O dever da faceirice"
Algumas mulheres, felizmente poucas, relegam a faceirice a um plano secundário, explicando esse desinteresse como "superioridade intelectual". Nada mais falso. A mulher moderna sabe que, apesar da evolução das ciências e das artes, o homem continua o mesmo, e o principal atrativo que encontra na mulher é a sua aparência física. Julgar que porque se casou com ele está dispensada de seduzi-lo é outro grave erro. O homem é volúvel. Sua busca da "mulher ideal" é apenas a forma romântica com que encobre essa volubilidade, e geralmente envelhecem sem descobrir realmente o que querem da mulher. Só sabem que a querem. Sempre bonita e renovada, se possível.
Um rosto bonito, uma figura elegante sempre exercem grande poder sobre eles. A mulher que ama a um deles tem de fazer de tudo para prendê-lo, portanto, e esse tudo é a sedução diária e constante. Eu sei, minha amiga! É cansativo isso, e um pouco tolo, mas que se há de fazer?
Se o seu marido está acostumado a vê-la despenteada, em chinelas, de roupa desleixada, sem pintura, aos poucos ele irá esquecendo a figurinha bonita que o atraiu antes, quando você só lhe aparecia enfeitada e perfumada. Começará a perguntar a si mesmo o que existe em você, afinal, de interessante... e a resposta é perigosa, minha cara! Por outro lado, a rua está fervilhando de mulheres bonitas, mais bonitas porque têm a atração do desconhecido e do proibido. Nenhum homem, numa hora dessas, tem imaginação bastante para ver, sob as carinhas de boneca encontradas na rua a mesma figura de mulher em chinelas, despenteada e mal cuidada que ele deixou em casa.
Renan, com grande sabedoria, já dizia: "A mulher, enfeitando-se, cumpre um dever; ela pratica uma arte, arte delicada, que é mesmo, até certo ponto, a mais encantadora das artes."
A faceirice é, portanto, obrigação para a mulher. Nem a mulher de negócios, nem a cientista, nem a mulher de letras, nem a esportista dispensam esse dever primordial para a conquista do homem. Afinal, podemos pensar deles o que quisermos, mas precisamos deles para completar a nossa felicidade, não é mesmo? Façamos, portanto, por conquistá-los.

Clarice Lispector, em Correio Feminino (coletânea de textos publicados em periódicos entre as décadas de 1950 e 1960, organizados por Aparecida Maria Nunes, ed. Rocco, 2006, p.15)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

From Elizabethtown


“So you failed. Alright you really failed. You failed. You failed. You failed. You failed. You failed. You failed. You failed. You failed. You failed. You failed. You failed. You failed. You think I care about that? I do understand. You wanna be really great? Then have the courage to fail big and stick around. Make them wonder why you’re still smiling.”
Claire Colburn

Sarau do Pecado - Budapeste


"De qualquer modo naquele instante fechei o jogo, arregacei as mangas, pousei os dedos no teclado, zarpei de Hamburgo, adentrei a baía de Guanabara e preferi nem ouvir as fitas do alemão. Eu era um jovem louro e saudável quando adentrei a baía de Guanabara, errei pelas ruas do Rio de Janeiro e conheci Teresa. Ao ouvir cantar Teresa, caí de amores pelo seu idioma, e após três meses embatucado, senti que tinha a história do alemão na ponta dos dedos. A escrita me saía espontânea, num ritmo que não era o meu, e foi na batata da perna de Teresa que escrevi as primeiras palavras na língua nativa. No princípio, ela até gostou, ficou lisonjeada quando eu lhe disse que estava escrevendo um livro nela. Depois deu para ter ciúme, deu para me recusar seu corpo, disse que eu só a procurava a fim de escrever nela, e o livro já ia pelo sétimo capítulo quando ela me abandonou. Sem ela, perdi o fio do novelo, voltei ao prefácio, meu conhecimento da língua regrediu, pensei até em largar tudo e ir embora para Hamburgo. Passava os dias catatônico diante de uma folha de papel em branco, eu tinha me viciado em Teresa. Experimentei escrever alguma coisa em mim mesmo, mas não era tão bom, então fui a Copacabana procurar as putas. Pagava para escrever nelas, e talvez lhes pagasse além do devido, pois elas simulavam orgasmos que me roubavam toda a concentração. Toquei na casa de Teresa, estava casada, chorei, ela me deu a mão, permitiu que eu escrevesse umas breves palavras enquanto o marido não vinha. Passei a assediar as estudantes, que às vezes me deixavam escrever nas suas blusas, depois na dobra do braço, onde sentiam cócegas, depois na saia, nas coxas. E elas mostravam esses escritos às colegas, que muito os apreciavam, e subiam ao meu apartamento e me pediam que escrevesse o livro na cara delas, no pescoço, depois despiam a blusa e me ofereciam os seios, a barriga e as costas. E davam a ler meus escritos a novas colegas, que subiam ao meu apartamento e me imploravam para arrancar suas calcinhas, e o negro das minhas letras reluzia em suas nádegas rosadas. Moças entravam e saíam da minha vida, e meu livro se dispersava por aí, cada capítulo a voar para um lado. Foi quando apareceu aquela que se deitou em minha cama e me ensinou a escrever de trás para diante. Zelosa dos meus escritos, só ela os sabia ler, mirando-lhes no espelho, e de noite apagava o que de dia fora escrito, pra que eu jamais cessasse de escrever meu livro nela. E engravidou de mim, e na sua barriga o livro foi ganhando novas formas, e foram dias e noites sem pausa, sem comer um sanduíche, trancado no quartinho da agência, até que eu cunhasse, no limite das forças, a frase final: e a mulher amada, cujo leite eu sorvera, me fez beber a água com que havia lavado sua blusa."

Chico Buarque, em Budapeste. (Ed. Cia. das Letras, 2003, p.38-40)

Sarau do Pecado - O Filho Eterno


"Ele dormiu, ou quase dormiu, num sofá vermelho ao lado da ama alta de hospital, para onde trouxeram a mulher em algum momento da madrugada. A criança estaria no berçário, uma espécie de gaiola asséptica, que o fez lembrar do Admirável mundo novo: todos aqueles bebês um ao lado do outro, atrás de uma proteção de vidro, etiquetados e cadastrados para a entrada no mundo, todos idênticos, enfaixados na mesma roupa verde, todos mais ou menos feios, todos amassados, sustos respirantes, todos imóveis, de uma fragilidade absurda, todos tábula rasa, cada um deles apenas um breve potencial, agora para sempre condenados ao Brasil, e à língua portuguesa, que lhes emprestaria as palavras com as quais, algum dia, eles tentariam dizer quem eram, afinal, e para que estavam aqui, se é que uma pergunta assim pode fazer sentido.
Qual seria o seu filho? - aquele ali, mostrou a enfermeira solícita, e ele sorriu diante da criança imóvel, buscando um ponto de convergência. Alguma coisa de fora que o tocasse súbita, como um dedo de um anjo. Mas não, ele sorriu, invencível - é preciso criar esse ponto, que não cai do céu. Uma criança é uma ideia de uma criança, e a ideia que ele tinha era muito boa. Um bom começo. Mas aquela presença era também um nascimento às avessas, porque agora, talvez ele imaginasse, expulso do paraíso, estou do outro lado do balcão - não estou mais em berço esplêndido, não sou eu mais que estou ali, e ele riu, quase bêbado, a garrafinha vazia, inebriado do cigarro que não parava de fumar, naqueles tempos tolerantes. Como quem, prosaicamente, apenas perde um privilégio, o da liberdade. O que é uma palavra que, se objetivamente quer dizer muio (estar dentro da cadeia, estar fora da cadeia, por exemplo; poder dizer e escrever tudo e não poder dizer nem escrever nada, outro exemplo prático - o Brasil está nos últimos minutos de uma ditadura), subjetivamente, em outra esfera, nos dá o dom da ilusão. Às vezes basta. Livre significa: sozinho. Claro, tem a mulher, por quem ele alimenta uma nítida mas insuspeitada paixão (ele nunca foi precoce), mas ao mesmo tempo tem de prestar muita atenção em si mesmo, juntas aqueles pedaços disformes da insegurança, um garoto tão desgraçadamente incompleto, para olhar mais atento para ela, o que só conseguirá fazer anos depois; tem a mulher, mas eles não nasceram juntos. Podem se separar, e a ordem do mundo se mantém. Mas o filho é um outro nascimento: ele não pode se separar dele. Todas as palavras que o novo pai recebeu ao longo da vida criaram nele esta escravidão consentida, esse breve mas poderoso imperativo ético que se faz em torno de tão pouca coisa; quem é a criança que está ali? O que temos em comum? O que, afinal, eu escolhi? Como conciliar a ideia fundamental de liberdade individual, que move a fantástica roda do Ocidente, ele declama, com a selvageria da natureza bruta, que por uma sucessão inextricável de acasos me trouxe agora essa criança? O próprio Rousseau abandonou os filhos, ele se lembra, divertindo-se. Muito melhor o Admirável mundo novo, aquela assepsia do nascimento sem dores nem pais. Vivemos grudados, mas, em vez de sentir náusea da imagem - a invencível viscosidade das relações humanas - , ele sorri diante daquele pequeno joelho respirante e empacotado do outro lado do vidro: isso parece bom e bonito, o filho da primavera. Relembrou a data: madrugada do dia 3 de novembro de 1980."

Cristóvão Tezza, em O Filho Eterno. (Ed. Record, 2010, p.19-21)

Sarau do Pecado - A Chave da Casa


"Estávamos na cama quando o telefone tocou. Do outro lado da linha, uma voz grossa e firme perguntava se eu estava bem e dizia que tinha conseguido o meu número com uma amiga em comum, a dona da festa onde tínhamos nos encontrado havia cerca de  uma semana. Como quem não tem o que conversar, mas precisa falar alguma coisa, ele disse: adorei nosso papo, apesar de rápido, e queria conhecê-la melhor. Só respondi com interjeições, mas nem por isso ele se apressou em desligar. Quando começou a falar dos meus olhos, dos meus cabelos, fiquei sem graça, afinal você estava ao meu lado. Como se não o conhecesse, levei um susto quando você, em vez de me pedir para arranjar uma desculpa e me livrar do telefonema, sussurrou baixinho: não desligue, continue falando. Nem tive tempo de esboçar uma resposta, de me opor à sua decisão. Quando me dei conta, você já tinha tirado minha roupa e, olhando para o meu sexo, era a sua cabeça que eu via. Tentei afastá-la. Você me fixou com um olhar de quem diz para não impedi-lo, um olhar que me afirmava com segurança que eu não me arrependeria. Então me deixei levar. Enquanto ouvia a voz de um estranho, sentia sua língua me umedecendo. Eu tinha o sexo todo depilado, e você passeava livremente por ele, como se agora, que estava descoberto, à mostra, ele escondesse ainda mais segredos. Não foi nada fácil controlar o tom da conversa, prestar atenção ao que ele dizia, para ao menos poder lhe responder: claro, vamos combinar alguma coisa, sim. Você não quer anotar meu e-mail? Minhas pernas se contorciam enquanto eu falava. Temi que ele desconfiasse de alguma peculiaridade na minha voz e me pus a falar como se estivesse com pressa. Você reparou e me repreendeu. Queria ir até o fim. Então, tive de inventar histórias, inventar assuntos, perguntei-lhe de onde conhecia nossa amiga em comum, o que fazia da vida, entre outras coisas que não me interessavam absolutamente em nada. Enquanto isso, a sua língua ia ganhando mais intimidade com o meu sexo, e os dois se encaixavam de tal maneira que pareciam duas bocas se beijando, um beijo longo e molhado. Eu tinha a sensação de que os lábios de baixo eram como os lábios de cima, decididos, independentes e, o que era mais inusitado, tinham paladar. Eu sentia o gosto da sua língua, o gosto que tanto conhecia, mas que sentido ali, naquele lugar e naquele momento inesperados, era completamente diferente. Quando, finalmente, resolvi desligar o aparelho, foi porque a minha boca estava entre as minhas pernas, e seria estranho continuar falando, se meus lábios estavam tomados pelos seus." 

Tatiana Salem Levy, em  A Chave da Casa. (Ed. Record, 2009, p. 73/74)

Divagações patéticas e melancólicas após uma noite mal dormida

Não são nem 9 horas da manhã, e estou de férias. Férias mais que esperadas e merecidas. Que faço eu acordada a essa hora, então? 

Da janela do quarto posso observar uma bela manhã de sol, muitas árvores e os pássaros que ficam saltitando entre os galhos e cantando sua canção. A poesia espontânea da natureza em plena cidade.

Na televisão, ligada apenas para que vozes humanas me façam companhia, programas destinados ao público feminino me aborrecem. Dicas de culinária, decoração, limpeza, artesanato. Nada que me interesse muito a essa hora da manhã.

Pelo computador, me atualizo sobre as últimas notícias e leio os últimos posts dos blogs que gosto de acompanhar.

A pia está abarrotada de louça suja. O apartamento, que foi organizado e limpo há menos de 48 horas, já está pedindo minha atenção novamente.

Entretanto, encontro-me atirada na cama, com a TV ligada, mas sem olhar para ela; com a janela aberta, mas sem poder observar a paisagem, que fica escondida atrás da tela do notebook - apenas o canto dos pássaros me alertam para a existência de vida natural do lado de fora. Nada me incentiva a deixar o ninho para me dedicar a atividades domésticas. 

Penso que poderia preparar um chimarrão, atravessar a rua e ler um bom livro no parque em frente ao prédio. A temperatura, já beirando os 30º, me desestimula. Por outro lado, a sensação de tempo perdido de quem está enclausurada no quarto num lindo e ensolarado dia me diz que seria uma ótima ideia. Talvez eu faça isso mesmo. Não sei ainda.

Sinto-me perdida, sozinha em casa, após uma noite interrompida repetidas vezes pela sede, vontade de ir ao banheiro, sonhos estranhos dos quais não me recordo.

Sinceramente, acho que preciso voltar a trabalhar. Excessos me fazem mal. Até mesmo excesso de férias.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Sinta o Tom!!!



Hoje Tom Jobim completaria 84 anos. 


Como fã e admiradora, deixo aqui minha homenagem. 


A alegria escandalosa dos anos ímpares

Pode ser uma grande bobagem, mas de um tempo para cá passei a acreditar que os anos ímpares são sempre melhores que os pares para mim. 

Em 2001 passei no vestibular da UFRGS. Em 2005 concluí minha graduação e ingressei no mestrado. Em 2009 defendi minha dissertação. Momentos que me trouxeram muita felicidade e sensação de realização plena. 

Em 2010, tive tantos problemas que várias vezes tive vontade de jogar tudo para o alto e virar caixa de supermercado. Pelo menos não levaria trabalho para casa. Ideia bem ridícula, mas que mostra bem o espírito dos anos pares da minha vida.

Agora, no início de 2011 me vejo com um mar de novas possibilidades. Vida pessoal e profissional tranquilas. Nova morada. Amigos novos e velhos. Tudo parece se encaminhar para o melhor destino.

É óbvio que não começo os anos pares pensando que tudo vai dar errado. Mas por algum motivo, os momentos de mais angústia da minha vida foram nos malditos anos terminados em 0, 2, 4, 6 ou 8. 

Podem ficar sossegados; não vou dedicar este post a lamentações do passado. Quero apenas dizer que, nesse novo ano ímpar, início de uma nova década e de uma nova era na minha vida, desejo que todas as possibilidades que se abrem diante de mim possam ser aproveitadas da melhor maneira e que me garantam paz e tranquilidade nos próximos anos, sejam pares ou ímpares. Acima de tudo, espero que a felicidade que me acompanha neste momento continue ao meu lado. 


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Feliz aniversário

Foram 76 posts nesses 365 dias. Parece pouco, mas quem acompanhou de perto os episódios que fizeram da minha novela da vida real quase um drama tragicômico sabe que este blog teve um papel fundamental. Um não, vários. 

Através dele, fiz meus desabafos; transmiti mensagens implícitas; mandei outras tantas nem tão implícitas assim; falei sobre assuntos do meu interesse; homenageei pessoas importantes.... enfim, de certa forma, fiz da tecnologia a minha terapia. 

Se ajudou ou não, deixo aos meus amigos a tarefa de julgar. Eu, como autora do blog, só posso dizer que não me arrependo de nenhuma linha publicada. 

Cada um dos textos existe porque em algum momento tive necessidade de expressar tais palavras. Reler cada um deles, relembrar os momentos que os inspiraram, rir das bobagens que aconteceram, lamentar os erros irremediáveis e comemorar as vitórias são exercícios muito válidos, que ajudam a avaliar o que vivi, repassar as lições que tirei de cada experiência e dar valor ao que tenho hoje.

Obrigada aos amigos e leitores! 

E feliz aniversário ao Pecado...