sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Quadrilhas da vida e da arte

De uns tempos para cá, venho observando alguns troca-trocas nos relacionamentos de amigos e conhecidos. E que fique bem claro que não estou falando apenas de relacionamentos amorosos, mas também de supostas amizades. Gente que não se suportava, hoje se ama. Há também os que se amavam incondicionalmente e agora sequer se cumprimentam. Existem os que estão ora com um, ora com outro, e acabam não se entregando verdadeiramente a ninguém. E temos, ainda, aqueles que conseguem se apegar a mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

É inegável que a vida dá muitas voltas. Pessoas passam a fazer parte do nosso convívio por mera força das circunstâncias e, quando menos esperamos, se tornam essenciais. Entretanto, muitas vezes, com a mesma velocidade com que entraram, saem das nossas vidas de uma maneira desconcertante, muitas vezes causando sofrimento, e outras tantas nos trazendo a oportunidade de olhar em volta e ver que o mundo tem muito mais a oferecer do que aquela criatura que julgávamos ser a mais importante de todas. Por conseqüência, novos amigos surgem, e, com eles, novas possibilidades de relacionamento. Nunca se sabe quem vai se interessar por quem. Não se sabe se quem está com um hoje não estará com outro amanhã. Sabe-se menos ainda se os que hoje se odeiam não estarão assinando contratos e fazendo juras de amor no futuro.

Andei refletindo sobre essas coisas todas depois de preparar uma aula sobre Poesia Moderna para meus alunos do 3º ano. Ao reler um poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado Quadrilha, me pus a pensar sobre alguns fatos que causaram o que ouso chamar de revoluções entre meus amigos mais próximos. Mais uma vez, me deliciei e me impressionei com a capacidade que a literatura tem de revelar sensações e experiências reais, das mais banais às mais complexas.

Depois, me lembrei de uma canção do Chico, chamada Flor da Idade, que dialoga diretamente com o poema de Drummond, fazendo uma espécie de paródia. E, novamente, tive um momento quase epifânico relacionando os versos aos eventos que acompanhei de perto.

A conclusão a que cheguei após toda essa reflexão é muito simples: a vida é mesmo uma imensa quadrilha. Salve-se quem puder!

Aos que me perguntam por que acho a literatura tão fascinante, deixo este post como uma das respostas possíveis.

E para facilitar a vida dos que ficaram curiosos, mas morrem de preguiça de pesquisar, deixo a transcrição dos poemas e um vídeo para que possam conferir e tirar suas próprias conclusões.

Quadrilha - Carlos Drummond de Andrade

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos,
Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se,
E Lili casou-se com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


Flor da Idade - Chico Buarque

A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia
Pra ver Maria
A gente almoça e se só coça e se roça e só se vicia
A porta dela não tem tramela
A janela é sem gelosia
Nem desconfia
Ai, a primeira festa, a primeira fresta, o primeiro amor

Na hora certa, a casa aberta, o pijama aberto, a família
A armadilha
A mesa posta de peixe deixa um cheirinho da sua filha
Ela vive parada no sucesso do rádio de pilha
Que maravilha
Ai, o primeiro copo, o primeiro corpo, o primeiro amor

Vê passar ela, como dança, balança, avança e recua
A gente sua
A roupa suja da cuja se lava no meio da rua
Despudorada, dada, à danada agrada andar seminua
E continua
Ai, a primeira dama, o primeiro drama, o primeiro amor

Carlos amava Dora que amava Lia
que amava Léa que amava Paulo
que amava Juca que amava Dora que amava
Carlos que amava Dora que amava Rita
que amava Dito que amava Rita
que amava Dito que amava Rita que amava
Carlos amava Dora que amava Pedro
que amava tanto que amava a filha
que amava Carlos que amava Dora
que amava toda a quadrilha...


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