Cena final de Bonequinha de Luxo no romance de Truman Capote (1958) e no clássico filme de Blake Edwards, estrelando Audrey Hepburn (1961). O cinema se apropriando da literatura e modificando-a, em busca do happy ending.
"Holly saiu do carro, levando o gato. Enquanto o embalava, coçou a cabeça e perguntou: 'Que tal? É o lugar certo para um sujeito durão como você. Latas de lixo. Ratos de sobra. Bandos de colegas para andar por aí. Então suma', ela disse e o largou. Como ele não se mexesse, e, em vez disso, erguesse a cara de bandido, questionando-a com os olhos amarelados de pirata, ela bateu o pé: 'Vá embora, já disse!'. Ele veio se esfregar na perna dela. 'Fora daqui!', ela gritou e pulou para dentro do carro, batendo a porta. 'Vá', ordenou ao motorista, 'vá, vá!'
Eu estava pasmo. 'Mas você não presta mesmo, não presta mesmo!'
Percorremos um quarteirão antes que ela dissesse alguma coisa. 'Já lhe contei. Nós nos encontramos um dia, na beira do rio: é só. Independentes, os dois. Ninguém fez promessa nenhuma. Nós nunca...', ela começou a dizer, mas a voz sumiu, e um tique e uma palidez involuntária tomaram seu rosto. O carro parara num cruzamento. Então ela abriu a porta, correu pela rua, e corri atrás dela.
Mas o gato já não estava na esquina em que fora deixado. Não havia nada, ninguém na rua, exceto um bêbado urinando e duas freiras negras tocando um rebanho de crianças que cantavam candidamente. Outras crianças emergiram das portas, e as mulheres se inclinaram nas janelas para ver Holly correndo pelo quarteirão, de um lado para o outro, entoando: 'Gato, gato, cadê você? Gato, gato!'. Persistiu até que um garoto de pele esburacada veio até ela, trazendo um gato velho pendurado pela nuca: 'Dona, quer um gatinho lindo? É só um dólar.'
A limusine nos seguira. Holly deixou que eu a conduzisse de volta. Junto à porta, hesitou; olhou para o que estava atrás de mim, para trás do garoto que ainda oferecia o gato ('Meio dólar. Vinte e cinco centavos, que tal? Vinte e cinco não é nada.'), e estremeceu; precisou segurar meu braço para continuar em pé. 'Ah, meu Deus! Nós éramos um do outro. Ele era meu.'
Então fiz uma promessa, disse que voltaria e encontraria o gato: 'Vou cuidar dele também. Prometo."
Ela sorriu, formou uma pontinha de sorriso sem alegria. 'E de mim?', ela sussurrou e estremeceu de novo. 'Estou com muito medo, rapaz. Isso mesmo, finalmente. Porque isso poderia continuar para sempre. Não saber o que é seu até a hora em que você joga fora. A coisa ficar preta não é nada. A gorda não é nada. Mas e isso agora? Estou com a boca seca; se fosse questão de vida ou morte, não conseguiria nem cuspir', entrou no carro e se afundou no banco. 'Desculpe, motorista. Vamos embora.'"
Truman Capote, em Bonequinha de Luxo (Ed. Cia. das Letras, 2005, p.93-94)
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